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textos e artigos

A CR mudou de pele

A Toxicomania mudou de pele, despiu-se e vestiu-se de um negro sangrento. Associou o gozo a ausência pura de limites, à sujeira e a dor. 
A toxicomania mudou de pele. De um ato reivindicatório, ou mesmo, de um pedido de alivio da dor, ultrapassou as fronteiras do entendível, do traduzível e tornou-se algo da ordem do indizível, ato puro.


A toxicomania mudou de pele e com ela, a sociedade, as traduções, os saberes, a prática clínica, a ciência, a fala.
A fala agora é um gozo chorado, alternado, intensificado, incontrolado, ilimitado, extasiado, insubstituível.


Precisamos aguçar nossos ouvidos e ouvir o sussurro que se mistura aos gemidos da dor e gozo, precisamos mudar a clinica e reconhecer que a corrida sintomática ganha mundos agilmente e que o saber precisa correr atrás.


Antes a toxicomania estava distanciada da saúde mental, do “paciente psiquiátrico” como não se cansa de nomear, no inicio das investigações sobre o alcoolismo, ele estava classificado como patologia mental, administrável rapidamente, com alguns poucos dias de internação. Hoje os sintomas mudaram... . Freud já trabalhara no “Mal Estar da Civilização” a questão da sociedade na produção sintomática do sujeito, não se pode desconsiderar. Há muito já se fala da sociedade capitalista, do consumismo como produtor de diferentes sintomas atuais, dentre eles a toxicomania. Mas parece ser tão vasta a diversidade sintomática que o tóxico fica em algum plano que não o primeiro. Os chamados depressivos precisam das pílulas, os bipolares também, os fóbicos e ansiosos, os hiperativos, os inseguros, melancólicos, psicóticos e perversos..., todos precisam de uma pílula, consultam-se na internet e já veem à consulta com a sintomatologia definida e com sugestão medicamentosa, todos toxicômanos? Existe hoje a toxicomania pura??? 


Fala-se do crack, fala-se muito. Como se usa, abusa, julga e propõem-se soluções e todos dizem o mesmo: trata-se daquilo que vira insuportável, porque não se sabe se já era assim insuportável, se um dia foi assim, mas hoje é!


Obviamente as pílulas são necessárias, eu disse necessárias, não tudo. O que é tudo? Posso dizer isso? Preciso só disso, isso é tudo!
Falo do sintoma que se alimenta, se retroalimenta, é autossustentável, quase que se basta... Se não fosse o rondar da morte, tão esperada e temida.
A Clínica do Renascer mudou de pele, hoje completa vinte e um anos, intensamente vividos na aplicabilidade da escuta e da tentativa de decodificar a sintomatologia que se apresentara durante esses anos todos diante de nós.


Mudamos de pele e com a mudança desses anos todos, crescemos (também precisamos de mais), mais funcionários, mais estudos, mais organização, mais trabalho, porque hoje os chamados pacientes veem com roupas diferentes, mas as “roupas íntimas” são semelhantes, daí a possibilidade de expandir e ouvir as referidas “patologias diferentes”, esse leque sintomatológico de choros e gritos, de paralizações e agitações, de envolvimentos e separações, de insustentabilidade, de consumo frenético sem interrupções, de consumo “moderado” que me consome, do eu dividido que se multiplica como que em um labirinto de espelhos até eu não saber mais o que é imagem e o que é real.
Essa é a nossa clínica hoje, atualizada, mas consciente de que há muito ainda por fazer e aprender, afinal só estamos fazendo 21 anos.
Obrigada a todos que até hoje confiam em nosso trabalho.

Artigo por Janete Krissak Pinheiro
Psicanalista e Diretora Clinica da Clinica do Renascer
Brasí­lia - DF

Saúde...Mental?

É uma pena que as instituições que tratam da saúde mental e sobretudo das toxicomanias se reconheçam como clínicas de recuperação.

Lendo um texto de Silvia Spertino Chagas, psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, intitulado “A Mulher Toxicômana, deparei-me com um antigo mal-estar vivido por nós da Clinica do Renascer. A autora faz referência ao toxicômano: “observamos que o toxicímano encontra-se, por vezes, nas mãos da Justiça e, outras, nas mãos da Medicina, resultando que o sujeito é considerado um delinquente ou um doente.

Mas é o barulhento toxicômano ultrapassa o alcance da Medicina e da Justiça, não se deixa encerrar em conceitos psicopatológicos ou jurídicos (Bucher, 1992). Desafia a sociedade e a si mesmo, a ponto de provocar a emergência de variadas clínicas chamadas, nos últimos tempos, de recuperação, que transitam numa ideologia que oscila em relação ao paradoxo de tentar encerrar a toxicomania nos limites da doença ou da delinquência. 
Consequentemente, pensar as toxicomanias assim, sob estas categorias, confirmar um discurso centrado na ideia de um corpo sem sujeito. Considerado apenas um corpo doente ou criminoso, não se leva em conta nos atos dos(as) toxicômanos(as) se expressa um ser humano que sofre.

Esse mal-estar acontece porque, por vezes, somos confundidos com uma clinica de recuperação. Temos insistido ao longo dos anos em clarear a terminologia que aponta a recuperação como algo a se ter “de novo”, ou melhor, ter novamente alguma coisa perdida. Podemos nos servir da ambiguidade do termo e, quem sabe, pensar no tratamento como algo “de novo” a ser apresentado. O sujeito que faz sintomas, sobretudo o toxicômano, busca sair de um lugar, de um lugar que não o atende mais, como poderia desejar voltar a tal lugar?

NÃo entendemos a toxicomania na ordem da delinquência e/ou da doença. Entendemos que haja­ um sujeito para alguém de seu corpo, um sujeito que tanto sofre e deseja. 

A doença mental também é vista como um processo que necessita ser estancado e interrompido, quando o delírio é a pura saída do psicótico, que urgentemente precisa expressar aquilo que não pode representar. Em outros termos, é a sua palavra.

É necessário entender os sintomas, tanto os neuróticos como os psicóticos, como falas e expressões de sujeitos que neste momento conseguem se manifestar dessa forma. E, principalmente, questionar os profissionais que os atendem em suas próprias resistências, ou melhor, no que os impede de ouvir? 

Outro mal-estar vivido por não é a pressa. Há um tempo necessário para o sintoma vigorar que é ditado comumente por um terceiro que supõe SABER da patologia e exclui o sujeito como portador e autor dessa sintomatologia. Geralmente o sujeito é enquadrado num tempo cronológico aonde se espera uma resposta de remissão sintomática. Infelizmente muitos espaço entendem a remissão como tratamento.

Finalmente, é importante destacar que o nosso mal-estar resulta de uma insistância solitária na qual vislumbramos, através de um trabalho ético, a direção de cura para nossos pacientes que, impacientes, buscam alívio para suas angústias.

Artigo por Janete Krissak Pinheiro

Psicanalista e Diretora Clinica da Clinica do Renascer

Brasí­lia - DF

A CR hoje

Ao longo de uma travessia de quase vinte anos, a equipe da CR vivenciou e participou de diferentes histórias que a permitiram crescer, aprender e amadurecer.

Há quase vinte anos ouvimos muitas vidas que refletiam angústias e dificuldades. Tais afetos transformavam-se em pedidos que, em muitos casos, felizmente, possibilitavam ao sujeito um novo olhar e lugar diante de sua própria história. Felizmente, reforço, vivenciamos conquistas.

Ao longo dos últimos anos o percurso da CR vem se (re)desenhando e nos permite, hoje, conhecer seu novo espaço. Parece-me que nossas questões e interesses caminharam ao lado da estrutura da clínica. Assim como vemos uma ampliação física, reconheço que a pergunta inicial que motivou o trabalho com os ditos “dependentes químicos” também não é mais a mesma. Se antes a questão que nos mobilizava era o que tem a dizer um toxicômano, ou melhor, o que ele fala com seu sintoma, hoje, para além dela, tentamos decifrar o enigma de seu gozo, gozo que esbarra e faz parceria com a pulsão de morte.

Trata-se de um trabalho de tradução de falas por vezes entrecortadas, alucinadas, delirantes... Falas que dizem do real, do real insimbolizavel que assombra o sujeito. Falas que perpetuam sintomas e aflições que não encontram porta de saída a não ser no corpo. Corpo, então, adoecido, não mais reconhecido pelo próprio sujeito. Há também as falas vazias de pegadas, de marcha, falas de falas, de falar por falar, falar porque se tem que falar. Noutros termos, falas desprovidas de saber.

A CR hoje inaugura um novo momento, um momento de ampliação que se dá no objetivo e no subjetivo. Nosso novo espaço vem contemplar e avalizar nosso desejo de um trabalho maior no qual possamos estender nossa pratica clinica. Vislumbramos o tratamento de outros sintomas que comparecem em outras estruturas. Não são barulhentas e vazias, mas também, angustiadas por encontrar um lugar para ancorar e se acalmar.

Ampliamos nosso atendimento para estruturas psicóticas e neuróticas graves, ajustando a assistência com inclusão de atividades dirigidas às diferentes patologias. Estendemos também para a modalidade de ambulatório, em nossa sede ou no plano piloto.

Saúde Mental é um caso sério, no sentido literal, caso por não ser acaso. Fato real, de peso, que envolve o mais particular do humano. É sério! Necessita-se de muita seriedade para fazer e não fazer, para saber e procurar saber e, além disso, para não sucumbir aos discursos que prometem rosas e magias.

Estamos felizes porque a CR vem ao longo desses quase vinte anos (e ideologicamente um pouco mais) fazendo o que entendemos ser possível e ético na direção da cura.

Artigo por Janete Krissak Pinheiro

Psicanalista e Diretora Clinica da Clinica do Renascer

Brasí­lia - DF

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